quarta-feira, 17 de junho de 2009

Projeto O Riso e a Melancolia traz exposições para as Galerias Lunara e Iberê Camargo

De 26 de junho a 26 de julho de 2009
Galeria Lunara, Galeria Iberê Camargo e Sala P. F. Gastal

O RISO E A MELANCOLIA
Variantes de um amplo espectro emocional, o riso e a melancolia respondem por estados de espírito e de ânimo aparentemente opostos, porém complementares. Não obstante as diferentes acepções destes termos no curso da História, eles permanecem tão emblemáticos quanto reveladores da experiência humana.
Considerada uma doença na Grécia Antiga, a melancolia deixou de ser uma moléstia no período romântico, quando se difundiu a ideia de que os indivíduos por ela afetados estariam a experimentar algo de profundamente enriquecedor para a alma humana.

Desde o século XX, entretanto, mais precisamente a partir das teorizações de Sigmund Freud, a melancolia foi comparada ao estado de luto, sem que, contudo, fosse constatada nela uma perda real, senão uma perda narcisista ou emocional.

O riso, por seu turno, consiste na expressão física motivada por diferentes naturezas de humor, tais quais a sátira ou a ironia, que estão intimamente relacionadas ao contexto sóciocultural de onde emergem e que as enseja. Quer na filosofia, quer na psicologia, o riso se estabelece como reação aos estímulos de ordem intelectual, configurando-se em um fenômeno fundamentalmente humano. De acordo com o filósofo francês Henri Bergson, caso o mundo fosse habitado por seres totalmente desprovidos de emoções, e exclusivamente movidos pela racionalidade, ainda assim haveria o riso, porque resultante de um processo mental que decorre de julgamentos morais. De maneira inversa, em um mundo dominado exclusivamente pelas emoções, o riso não seria possível, e o excesso de sentimentos nos envolveria numa atmosfera puramente melancólica.

A temática dessa mostra - o riso e a melancolia - partiu de nosso desejo de discutir esses dois extremos do humor em relação a seus papéis na história da arte. Há alguns séculos, a melancolia tem interessado às artes com algum destaque, embora diversamente facetada dependendo do momento histórico ou artístico que a explorou. Já o riso, surpreendentemente, ganhou pequena atenção no contexto da crítica de arte, algo que vem mudando na contemporaneidade com o surgimento de importantes publicações sobre o tema, e com o resgate de alguns textos clássicos sobre o assunto, como os dos supracitados Bergson e Freud.

Por tudo isso, é com muito entusiasmo que trazemos a público a exposição O Riso e a Melancolia, uma empreitada inédita para ambos, e à qual dedicamos bastante tempo e trabalho. Não apenas somos curadores de primeira viagem, como também não temos a pretensão de exaurir a temática, mas decidimos ir adiante com essa tarefa por estarmos confiantes de que nossas escolhas - as quais incluem alguns artistas nunca antes apresentados no Brasil - serão um deleite para o público das Galerias Lunara e Iberê Camargo, bem como da Sala P. F. Gastal.
A quem soar exagerada tal afirmação, convidamos a comprová-la assistindo aos vídeos dos latino-americanos Yoshua Okon e Martín Sastre, bem como do importantíssimo artista norte-americano Paul McCarthy. Este último terá a Galeria Lunara dedicada exclusivamente à apresentação de seu vídeo Painter, o qual faz uso de certa linguagem televisiva para debochar do mundo artístico e das razões que podem levar o artista a permanecer criando. Esses três trabalhos mostram como o riso pode ser útil na construção de uma crítica social e política, ao tempo em que a reflexão por eles provocada está embebida numa inegável melancolia.


Teremos a grande honra de exibir a emblemática fotografia Saut Dans le Vide, do francês Yves Klein, sem dúvida uma das obras de arte mais importantes do século XX: um ato suicida, representado com visível deleite na expressão do artista, de braços abertos em seu salto para o vazio. Vazio também abordado por Kátia Prates de maneira sublime em sua apresentação de um céu de azul intenso, cuja extraordinária beleza beira o absurdo.
Apresentaremos ainda os comentários fotográficos do paulista Guto Lacaz, os quais revelam o saudosismo inerente à atual passagem da tecnologia analógica para a digital, porém de maneira bem-humorada.

Impossibilitados de trazer a Porto Alegre uma obra do norte-americano Jeff Koons – nome definitivo para a discussão do humor na arte contemporânea –, decidimos exibir um documentário sobre sua trajetória artística. Seus trabalhos visualmente deslumbrantes remetem à melancolia da infância perdida e ao fascínio pelo estrelato não desprovido de ironia. Esse filme será exibido ao lado de uma performance de Terence Koh, cujas relações com o mercado de arte não deixam também de ser bem humoradas, quer seja pelas cifras astronômicas alcançadas por suas desconfortáveis obras, quer pela apresentação desavergonhada do sexo e de sua intensa vida privada.

Outro destaque dentro da mostra é o norte-americano William Wegman, que embora seja um nome capital quando se trata do humor na arte contemporânea, permanece pouco conhecido no país; seus vídeos de cães Weimaraners antropomorfizados retêm a tristeza do olhar canino, causando no espectador um sorriso melancólico.
Ausente dessa mostra, o humor da arte britânica nos anos 1990 deu a tônica ao debate acerca da produção artística contemporânea, a exemplo do que já havia sido feito pelo Dadaísmo no início do século XX. A ironia, quintessência da cultura inglesa, marcou aquela década que antecede o ataque terrorista às Torres Gêmeas, aqui representado em tons saturados pelo célebre fotógrafo da agência Magnum, Thomas Hoepker, que revestiu a tragédia de 11 de setembro de 2001 com matizes daquela fina ironia.

Se ao final do século XX o humor pareceu ser a chave para um mundo carente das perspectivas históricas modernistas, o início do século XXI, após o inevitável confronto com a orquestrada tragédia de dimensões épicas em Nova Iorque, recuperou ambos os registros como complementares e essenciais à percepção dos fenômenos contemporâneos.

Bernardo José de Souza e Mariana Xavier
Curadores

Bernardo José de Souza é Coordenador de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre e professor da ESPM e FEEVALE. Especialista em fotografia e moda pelo London College of Fashion , foi colaborador das revistas Vogue, i-D e do jornal Folha de São Paulo.

Mariana Xavier é artista visual, formada em jornalismo pela UFRGS, é mestranda em Poéticas Visuais no curso de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS.

Coquetel de abertura da exposição dia 26 de junho,
às 19h 30min, na Galeria Iberê Camargo.


OS ARTISTAS

YVES KLEIN
Nascido em 1928, na
França, Klein viveu pouco mais de 34 anos, ao longo dos quais logrou desenvolver uma obra que hoje o situa entre os mais importantes artistas do século XX. Considerado por alguns como um Dadaísta tardio, ele é comumente visto como um enigmático precursor da arte contemporânea. Criou, em 1960, ao lado do crítico Pierre Restany e do amigo Arman Fernandez, o movimento Novo Realismo, quatro anos antes de sua morte, após o terceiro infarto consecutivo.
A noção de vazio é central para a compreensão da obra de Klein, que se utilizou dos mais divers
os suportes - escultura, pintura, música, performance e fotografia - para comunicar-se com o público, o qual deveria ser capaz de simultaneamente sentir e entender suas criações.
A imagem em exposição na Galeria Iberê Camargo - Saut Dans le Vide - foi primeiramente publicada no jornal Dimanche, em 27 de novembro de 1960 - na realidade uma espécie de livro de artista.
PAUL McCARTHY
Paul McCarthy
nasceu em Salt Lake City, Utah, em 1945. O reconhecimento de seu trabalho veio de suas intensas performances e seus vídeos baseados em tabus, tais como o corpo, a sexualidade e os rituais de iniciação. A carreira de McCarthy também explora temas como família, infância e violência, ao mesmo tempo em que utiliza fluidos corporais, tinta, catchup e maionese para gerar críticas intrincadas e grotescas de ícones culturais. Seus trabalhos já foram exibidos por grandes instituições como o Whitney Museum, a Tate Modern e o MoMA NY.
O vídeo exibido nessa mostra, Painter, é uma ácida paródia do final da carreira do pintor Willem de Kooning, bem como do sistema das artes em geral. O pintor, vivido pelo próprio Paul McCarthy, debate-se em seu atelier com pincéis e tubos gigantes de tinta e cocô. O vídeo completa-se com aparições de uma galerista e colecionadores alemães, retratados com a cruel e gosmenta graça característica dos trabalhos do artista.

THOMAS HOEPKER
Estudou história da arte e arqueologia antes de se tornar fotojornalista, na década de 1960, cobrindo reportagens em todas as partes do mundo. Em 1964, a lendária ag
ência de imagens Magnum, (da qual seria presidente entre 2003 e 2006) passou a distribuir seu trabalho. Foi câmera e produtor de documentários para a televisão alemã até mudar-se para Nova Iorque, em 1974, quando tornou-se correspondente da revista Stern, para a qual trabalharia mais tarde também como diretor de arte. Especializado em reportagem e conhecido por suas imagens coloridas e estilizadas, ele hoje vive em NY, onde dirige documentários para a TV e onde fotografou a emblemática imagem das Torres Gêmeas, vistas do Brooklyn, em 11 de setembro de 2001. Recebeu diversos prêmios prestigiosos como o Kulturpreis e exibiu em 2007 cerca de 230 fotografias suas, feitas em 50 anos de trabalho, numa grande exposição que itinerou pela Europa.

WILLIAM WEGMAN
Pela primeira vez no Brasil, serão exibidos os vídeos de William Wegman, artista norte-americano que começou sua carreira em meados dos anos 60 e é mais con
hecido como “o artista dos cachorros Weimaraners”. Muito mais do que isso, Wegman é um nome essencial ao pensar-se em riso e melancolia na arte contemporânea, e a seleção aqui apresentada cobre mais de três décadas do trabalho do artista, que também trabalha com fotografias, pintura e desenho.
William Wegman teve uma retrospectiva de sua carreira em 2006 no Brooklin Museum of
Art e teve seus trabalhos exibidos no Whitney Museum e no MoMA, também em Nova Iorque, bem como no Stedelijk Museum de Amsterdã e no Centre Pompidou, em Paris. Sua carreira iniciou-se com a exibição de seus trabalhos na 5ª Documenta de Kassel, em 1972, e na mostra Quando as atitudes tomam forma na Suíça em 1969.

MARTÍN SASTRE
Martín Sastre é um dos mais importantes artistas visuais latino-amer
icanos. Seus divertidos vídeos combinam o universo da cultura pop, delírios futuristas e ficcionais, deboche ao mundo das artes e à política. Nascido em Montevideo em 1976, Martín exibiu seus vídeos em exposições individuais e também em Bienais como a Bienal de Busan, na Coreia do Sul (2008), Ushuaia, na Argentina (2007), Bienal da Imagem de Genebra (2006), Veneza (2005), São Paulo (2004), Havana (2003), Praga (2002) e Mercosul (2001).
Em seus trabalhos, a América Latina vira uma superpotência mundial em um futuro nem tão distante; Lady Di está viva em uma favela de Montevideo; Nadia Comaneci inspira um jovem zumbi romeno chamado Pepsi; Michael Jackson toma chá com a avó de Martín; uma Hello Kitty freira encontra Madonna em Londres. No vídeo exibido aqui, KIM X LIZ, o presidente da Coreia do Norte Kim Jong II vive uma história de amor com Elisabeth Taylor.

YOSHUA OKON
Desde o final dos anos 90, o
artista mexicano Yoshua Okon vem trabalhando com performances e vídeos, embora também explore outras formas de expressão artística. Seus trabalhos se situam no limite entre o documentário e a ficção, e procuram, de maneira bem-humorada, trazer à tona questões culturais, sociais ou políticas desconfortáveis. Seus trabalhos já foram exibidos na The Hayward, em Londres, no PS1 MoMA, de Nova Iorque, no Getty Center e estão na Coleção Jumex, do México.
O vídeo Presenta, exibido na galeria Iberê Camargo, é um
loop eterno de logotipos de empresas estatais mexicanas, ao estilo dos créditos iniciais dos longa-metragens latino-americanos – dependentes do financiamento público para sua realização. Ao mesmo tempo em que esperamos o filme que nunca começa, refletimos sobre todo o sistema de realização cinematográfica que tão bem conhecemos no âmbito da produção audiovisual brasileira.

GUTO LACAZ
Guto Lacaz já era artista multimídia an
tes mesmo dessa denominação entrar em uso: é performer, inventor, desenhista, ilustrador, designer, cenógrafo, editor de arte etc. Sua produção transita entre o design gráfico, a criação com objetos do cotidiano e a exploração das possibilidades tecnológicas na arte, sempre tratada com humor e ironia. O artista mostra-se extremamente coerente com a variedade de lugares e situações onde apresenta seus trabalhos: de galerias e museus a teatros, espaços públicos e a televisão.
Os dois trabalhos aqui exibidos são chamados por Guto de comentários fotográficos, olhares sobre a fotografia e a profunda transformação
pela qual essa técnica passou nos últimos anos. O raio-x de uma paciente improvável e um aparato analógico que sustenta o digital tem, evidentemente, um caráter saudosista. O humor imbuído nesses trabalhos, entretanto, os traz de volta imediatamente à contemporaneidade.
KATIA PRATES
Realizou suas últimas in
dividuais em 2006 com “Árvores, Paisagens, Horizontes” na Galeria dos Arcos/Usina do Gasômetro em Porto Alegre e em 2003, com fotografias da série “Paisagens”, no Centro Cultural São Paulo; anteriormente expôs no Museu de Arte RGS, Museu de Arte Contemporânea/RS e Funarte/RJ. Katia Prates é doutoranda em Poéticas Visuais pelo Instituto de Artes/UFRGS e tem especialização em arte e tecnologia na School of the Art Institute of Chicago.
Nesta mostra, a artista apresenta sua particularíssima visão do vazio, fotografando de maneira sublime um céu de azul intenso, cuja extraordinária beleza beira o absurdo.