sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Nem lá, nem cá por Fábio Cypriano

O osso que se transforma em nave espacial, na clássica seqüencia de “2001, uma odisséia no espaço”, do cineasta Stanley Kubrick, é uma das mais simbólicas cenas da idéia de transição na história do cinema. A cadeira que Amilcar Packer lançou no espaço, em 2006, “Vídeo # 14”, faz parte de uma série de trabalhos do artista que também aborda a idéia de transição.

Entretanto, ao contrário da narrativa cinematográfica, que apresenta o antes e o depois do osso no espaço, criando polaridades como selvagem versus civilizado, o que tem interessado a Packer é a possibilidade da transição em si. Para o artista, importa a não-situação, um momento entre dois momentos, quando racionalizações tornam-se desnecessárias, já que a experiência em si é o que interessa.

Isso ocorre em trabalhos como “Vídeo # 01”, de 2002, no qual Packer caminha pelo rodapé, transformando em passarela aquilo que apenas representa uma arquitetura de transição entre o piso e a parede. Porque o artista se apropria de espaços transitórios no mundo é que ele quer que o próprio observador de suas obras possa experimentar o mundo em situações ambíguas.

Nas obras que Packer selecionou para a galeria Lunara, em Porto Alegre, a experiência é, de fato, questão fundamental. Menos que um conjunto de obras expostas de maneira linear e tradicional, “Entre”, o nome da mostra, busca também ativar a circulação tanto física como do olhar do espectador em distintos planos.

Com isso, Packer procura que o visitante mimetize seu próprio processo de trabalho, subvertendo a forma de ocupação dos espaços. Não é só o artista quem “caminha” pelos muros e grades de um quarteirão paulistano, como se observa nas fotos de “360º = 52m = 347 fotos”, na fronteira entre o público e o privado, mas ele leva o olhar do visitante a percorrer não só paredes como os próprios batentes do espaço, propiciando novos desafios.

Assim, o artista ocupa de forma não usual o espaço já desafiador para uma exposição. Por isso, para se observar “Hífen”, duas imagens que retratam uma cadeira suspensa numa via elevada, o visitante precisa entrar num alçapão até então não utilizado nas exposições da Lunara e ele mesmo conquistar um novo ângulo de visão.

Essa preocupação com o local e o respeito por fazer com que o visitante tenha uma relação corpórea com suas obras levaram Packer a também realizar um trabalho em Porto Alegre. Quando esse texto era escrito, se realmente seria exposto era uma questão, mas certamente a experiência da cidade irá mudar a percepção do artista, assim como se espera que o visitante saia da mostra com um novo olhar.

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